quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A CASAN privada e a nossa sede de democracia

* Em homenagem aos funcionários da CASAN


   Ontem, 20 de setembro de 2011, foi um dia amargo, no qual eu presenciei um espetáculo de teatro na Assembleia Legislativa de Santa Catarina - ALESC. Lá foi votado uma proposta que autoriza a venda de até 49% da Companhia Catarinense de Água e Saneamento, a CASAN; e, antes desta, uma dupla votação para mudar a constituição do Estado de Santa Catarina, para essa autorização ser possível.
   Eu poderia fazer uma reflexão sobre as relações público x privado, ou a questão da diretoria da CASAN e seu guarda-roupa de cargos comissionados, que massacra quem lá trabalha honestamente e é concursado. Todavia considero que outros pensadores bem mais habilitados poderão falar sobre esse tema. Sobre o que eu quero falar hoje são as impressões que tive naquele espaço - A Assembleia Legislativa.
   Começo pelo choque visual: uma grande escultura de "Jesus Cristo" naquela plenária, sobre a cabeça de todos os deputados, para a qual os mesmos apelam em seus discursos, cumprimentando padres, bispos, e pedindo as bençãos de Deus para tudo o que é feito "em nome do povo catarinense".
   Pois bem, chego na plenária às 14:00, recepcionado por um pelotão de policiais, os quais me alertaram que não poderia entrar com meu guarda-chuva, e perguntaram se eu carregava água e outras coisas em minha bolsa. Senti-me profundamente ofendido com aquele tratamento, porque eu não estava sendo apenas interrogado, mas vigiado a todo o tempo como alguém que pudesse estar planejando algum atentado contra aqueles deputados. Será que já não era o bastante o que estava sendo feito pelos deputados?
   Entro na plenária, bastante gente na casa, e um clima consideravelmente tenso. Muitos dos que ali estavam eram funcionários da companhia, mas também havia ali pessoas de diferentes áreas: professores, estudantes, aposentados... inquietos com o que seria feito naquela casa e com o modo que se faria aquela votação.
   Com um certo atraso, começa a sessão, com menos de 10 deputados - estavam fazendo provavelmente outra coisa para não estar ali, sabe-se lá o que. Um senhor na mesa começa a leitura de tudo o que tinha acontecido em uma velocidade superior àqueles jogos de futebol narrados no rádio, faltando apenas um grito de gol ao final de seu pronunciamento.
   O povo lá de cima clamava "Não à privatização", todavia esse grito parecia apenas um ruído àqueles senhores que lá embaixo se reuniam, chegando inclusive a nos chamar pelo microfone de mal educados, quando o nome do governador foi citado e as vaias começaram.
   Entendo que um governador eleito seja uma autoridade, e, como qualquer pessoa, mereça respeito. Mas como algum daqueles deputados poderia acusar-nos como mal educados se estavam tratando daquele jeito um tema tão delicado?
   Durante esse tempo, enquanto os policias não vinham me mandar sentar, ficava de pé naquele espaço olhando para aquela imagem sobre a plenária: como é que um discurso sobre "democracia", "igualdade", "outro mundo" e uma imagem de uma pessoa que morre em nome daquilo... é negado de modo tão explícito? Fiquei me perguntando se todos os "bons cristãos" homenageados por aqueles senhores pensaria sobre isso: aprovaria? Reprovaria? Fingiria que não é consigo?
   Ao fim do dia, havia do lado de fora um carro de som, para o qual as pessoas se dirigiram para participar de uma avaliação de tudo o que aconteceu ali. Minhas inquietações ficaram um pouco mais brandas quando vi aquela gente, especialmente da CASAN, aproximar-se lentamente para ouvir o que seria dito.
   Infelizmente, e isso falo de modo muito pessoal, notei que demos mais atenção ao que os deputados que ali estavam do que os funcionários da CASAN, deputados que falaram bonito, e depois foram embora.  Depois das falas dos deputados, outros iam falando na necessidade de "fortalecer a base", "não desanimar"... enquanto o povo ia saindo, devagarinho. O mesmo povo que inicialmente tinha se aproximado do carro de som para participar daquela conversa.
   Me senti como naquelas Igrejas onde o padre ou o pastor é mais importante que o povo que está ali. Evidente que a autoridade é alguém importante, mas não pode ser o centro das atenções. Aquele momento era o momento do povo que tinha sido chamado de mal educado falar o que estava sentindo, porque os deputados já haviam falado no microfone da assembleia seus pontos de vista. Ali fora era o momento daqueles que quisessem falar "porra" pudessem falar, sem serem chamados de mal-educados.
   Diante disso alguém poderia me dizer: "o fato é que a CASAN foi privatizada!", e de fato essa é a causa que deixou tantos ali cabisbaixos. Mas não adianta nada nossas intervenções serem apenas outras "catequeses" ou "aulas magnas". Quem falou naquele microfone foram os deputados e os dirigentes sindicais, que falaram PARA os que estavam ali, mas não COM. E a prova disso é que o povo não ficou, foi embora, assim como os deputados foram embora.
   Falei isso sobre os deputados e os dirigentes que ali estavam, mas não vim aqui para falar mal de nenhum deles, até porque vejo que eles fizeram um trabalho dentro do que era possível. Inquietou-me sim o povo não se sentir à vontade de falar, mesmo que fosse para dizer "porra!". Eles tem muita garra para fazer política, lutar por algo melhor, mas precisamos de uma outra forma de construir isso se queremos que eles estejam engajados. O que aconteceu ontem foi algo muito violento para todos os que estavam ali.
   A maioria daquelas pessoas não domina as categorias de análise dos antagonismos de classe, os interesses econômicos e as redes de Sociedades Anônimas que permeiam os partidos e a política que ali aconteceu. Todavia eles estão imersos no cotidiano daquele companhia, sabem quem são os chefes indicados, quem é competente ali dentro e quem não é. Eles podem ter dificuldades com o ambiente da ALESC, mas na CASAN eles estão em casa, tem suas relações mais próximas, tanto politica como afetivamente. E é ali, em cada instalação dessa companhia que uma bonita história de resistência continua, contra os privilégios daqueles comissionados que nunca pegaram um cano na vida mas posam de "gerentes", "diretores", "chefes"...
   Pois bem, naquele dia chorei, um pouco por tristeza pelo que aconteceu, e também pela alegria da força do que estava começando ali na frente daquela Assembleia Legislativa. Para os que não viram ainda o filme "A Coorporação", deixo dois trechos desse video que me lembram essa história:




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