quarta-feira, 9 de maio de 2012

Carta aberta aos pais, mães, avós, avôs, tios, tias e outros parentes próximos de um(a) pejoteiro(a),


Tem texto que faz a gente chorar já no primeiro parágrafo. Mas não de tristeza, luto ou sofrimento. Pelo contrário, texto que faz a gente chorar porque toca na vida da gente, faz a gente "perder tempo" lembrando que não estamos sozinhos no mundo e o quanto certas opções fazem toda a diferença.

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Carta aberta aos pais, mães, avós, avôs, tios, tias e outros parentes próximos de um(a) pejoteiro(a),
Autor: Fernando Diegues*

“Por que não leva o colchão para a igreja?”, “acha que aqui é uma pensão, aonde só vem parar dormir, comer e deixar a roupa suja?”, “vai virar padre/freira?”. “É isso que você aprende lá na pastoral? (durante uma discussão)”.

Parece familiar? Arrisco afirmar que em poucos lares, onde vive uma liderança pejoteira (jeito que usamos para falar de um jovem que faz parte da Pastoral da Juventude – PJ), alguma destas frases não tenha sido dita um dia. Com certeza muitas outras, talvez variando quase nada sobre os temas, ecoaram pelos corredores, cozinhas e quartos espalhados por este imenso Brasil.

Como tantos(as) companheiros(as), já ouvi algumas delas no decorrer da caminhada (com o tempo, a freqüência dos comentários vai diminuindo). E, recentemente, uma jovem, cansada após mais um final de semana agitado, comentava justamente desta questão enquanto aguardava o metrô. Pois foi, a partir do olhar dela, que decidi buscar responder algumas das perguntas. Não tenho a intenção de solucionar o “problema”, mas apenas tentar jogar algumas luzes sobre o lance.

Queridos e queridas familiares, o primeiro convite é para olharmos para as cestas de roupa suja, os varais e armários. Entre desenhos e mãos vermelhas, encontramos afirmações de que “a juventude quer viver” e gritos de “chega de violência e extermínio de jovens”. Eis a explicação para a pilha de roupa suada que aparece no cesto na noite de domingo: todo o dia, ao sair de casa, inclusive durante a semana, o pejoteiro carrega dentro do peito estes clamores! E não apenas os carrega, mas sua para que outros tantos filhos, netos e sobrinhos deixem de ser exterminados e vivam plenamente.

Ah, e como eles sentem falta da “pensão” quando estão fora de casa! Vejo muitos procurando um sinal de celular (porque se enfiam cada lugar longe, que nem celular pega) só para dar um “olá” para quem ficou. Sem contar o cheiro do almoço, que faz outros tantos lembrarem “do feijão que só minha mãe sabe fazer”.

“Levar o colchão para a igreja”, nem sempre tem muita utilidade. Além de ocupar espaço, onde o pejoteiro pode guardar livros e dinâmicas de grupo, quase não sobra muito tempo para o sono. Afinal, são horas fazendo atividades e preparando os trabalhos do dia seguinte. E também é necessário guardar um tempinho para as festas e momentos de diversão; afinal, “sou jovem de igreja, mas sou normal”.

E durante as vivências que vai tendo, o jovem faz o que se chama na PJ de “Processo de Educação na Fé (PEF)”, que se reflete nas mudanças que muitas vezes a família vai sentindo no jovem. Sim, uma parcela percebe sua vocação religiosa durante o PEF, mas a maioria segue outros destinos. E isso é bom! É bom por um motivo muito simples: A PJ não busca apenas ajudar a formar o padre e a freira comprometidos com a causa de Jesus, mas quer motivar o comprometimento do açougueiro, do jornalista, do padeiro, do porteiro, do médico, do professor... Enfim, favorecer a construção de pessoas de caráter! (assim como você também quer).

E para qual Jesus o pejoteiro olha? Não para um que está acima, distante; mas para um que caminha junto, lado a lado. Aquele que saiu de Nazaré e suou a camisa em busca de um mundo melhor. O mesmo que deixou a “pensão” de Maria e que, vez ou outra, debateu com ela e seus parentes. Nunca os questionou por falta de amor, pelo contrário, os amava e queria construir o reino com eles. Se o pejoteiro questiona, é porque ele pensa. (o que não significa que sempre esteja com a razão, claro).

Por conhecer tantas famílias de pejoteiros por aí, tenho claro que as queixas e reclamações também partem de quem ama; ama muito e gosta de ter por perto a pessoa amada. Sei também que os corações aflitos batem mais por orgulho do(a) filho(a) do que pela ansiedade/preocupação. Que esta carta, escrita sem grandes reflexões, seja mais uma ponte para ligar os corações orgulhosos aos corações pejoteiros.

Grande abraço,

Fernando Diegues

* Fernando Diegues é membro do Instituto Paulista de Juventude (IPJ).