quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Uma crítica tímida ante um Reality Show "sem vergonha"

A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) se posicionou e destacou em que discorda dos atuais reality shows em sua nota (clique aqui para ver a nota na íntegra).

Pois bem, tiro o chapéu à nossa conferência por manifestar sua posição perante toda a sociedade, mas sou obrigado destacar a timidez dos bispos do Brasil na superação dessa situação: embora decididos em apelar às emissoras de televisão, o ministério público, pais, mães, educadores, anunciantes e agentes publicitários atitudes ante esses programas, o fazem reproduzindo a lógica do jogo. O que vou explicar nos próximos parágrafos.

Programas como BBB se destacam não apenas pela questão financeira ou o palco, mas pela sua capacidade massiva de educar-nos à submissão ao sistema por sua promessa. Perdão, não se assustem pelo palavrão. Vou explicá-lo ponto a ponto e dizer porque considero tímida a nota dos bispos.

Como muitos de vocês sabem, o reality show é um jogo televisionado, possui um conjunto estabelecido de regras, como não poder sair da casa, participar das atividades, utilizar microfones, submeter-se a entrevistas, etc. Todavia é um jogo no qual não se discutem as regras, pois já estão estabelecidas à priori pelos seus produtores, e não são escolhidas "ao acaso", tem um porquê de ser assim. No caso do microfone, é para que o máximo de conversas e sons produzidos sejam registrados e, assim, possíveis de serem exibidos.

Dentre todas as regras estabelecidas, a regra de ouro desse programa é a necessidade de eliminação, sobre a qual o programa constrói sua mais expressiva audiência, nos dias de "paredão". É regra de ouro porque sobre ela é que se naturalizam a lógica da competição predatória, a inversão do caráter e a submissão incontestável ao sistema.

No jogo, uma pessoa ganhará grande quantia de dinheiro, além de status; mas para isso todos os outros deverão ficar para trás, eliminados, de alguma maneira. A cooperação e solidariedade com outras pessoas só é válida se temporária, visando a auto-preservação do jogador ou a eliminação de outro, mas não pode ser sustentada por muito tempo. Opor-se a isso é morrer enquanto jogador, sendo eliminado pelos próprios "companheiros" ou nos votos. A mentira, a manipulação de pessoas, emoções e informações se tornam instrumentos de sobrevivência. Embora condenados em nossa moral, são aceitos como vitais para o sucesso do bom jogador.

Sendo televisionado, o jogo convida diariamente os telespectadores ao rito da "espiada" e da votação (eliminação), fazendo da invasão da intimidade e a exclusão de pessoas atividades agradáveis, inclusive com estatísticas, entrevistas, torcidas. A promessa do prêmio alivia todo o tipo de estranhamento a esse rito, conseguindo inclusive o efeito inverso: fomenta coletivamente a vontade de participar, seja espiando, jogando ou simplesmente perguntando o que está acontecendo. Critica-se a eventual desvalorização dos costumes, mas a curiosidade pelo "que se passa" é grande.

Entrando finalmente na timidez da crítica dos bispos, ela trata os reality shows como uma agressão "aos valores morais que sustentam a sociedade", quando o real efeito desse tipo de programa é construir valores que sustentam essa sociedade: capitalista, competitiva, predatória, do espetáculo e da exclusão. Programas como o BBB cumprem o papel de pão e circo do século 21, legitimando o uso de pessoas como coisas, objetos para se "ganhar na vida", descartáveis em vista da promessa do prêmio para aquele que melhor se submeter à lógica do sistema.

Não peço aos bispos para que vistam bandeiras vermelhas, tenham barba como o Chê Guevara ou declarem guerra ao capitalismo, pois não considero que este seja o papel da Igreja Católica. Mas considero vital alertar aos cristão que essa "sociedade", na qual reality shows fazem o que fazem, está sendo por hora mantida por programas como esses. Eles não a agridem, ajudam a manter essa ordem. Uma ordem que trata como natural a falta de dignidade às pessoas e a injustiça na distribuição da riqueza. É justo uma pessoa ter 1 milhão de reais sozinha enquanto milhões de outras pessoas estão sem o que comer? Nessa sociedade, parece que sim...

Um comentário:

  1. Grande Helio!!
    Muito boa a sua crítica! Bem sustentada e fundamentada.
    Se bem que a nota da CNBB merece muito mais aplausos do que críticas... Afinal, é a primeira instituição de peso (que eu lembre) que levanta a voz contra os reality-shows.
    Gostei do início da nota, quando logo fala que o objetivo é o lucro.
    Claro que, depois, fica girando em torno dos "bons costumes".
    Aí concordo que poderia ter ido além, criticando os novos "valores" que programas como o BBB pregam...

    ResponderExcluir